O projeto de desarmamento terá pouco impacto na redução da violência no país se não for acompanhado de ações sociais que envolvam programas socioeducativos e profissionalizantes voltados aos jovens, a recuperação de espaços urbanos degradados e uma polícia mais bem capacitada.
A três meses do referendo em que a população decidirá se a venda de armas no país deve ou não ser proibida, especialistas em segurança ouvidos pela Folha avaliam que o desarmamento é só um dos itens que devem compor a receita de um país mais seguro.
Além da política social, o combate às armas ilegais e o desenvolvimento de projetos de mediação de conflitos interpessoais também são tidos como prioritários.
“O desarmamento é apenas um dos ingredientes de uma feijoada”, compara o coronel da reserva José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Mestre em psicologia social pela USP, Silva diz faltar continuidade nos projetos de redução da criminalidade de Estados e cidades e programas focados nos jovens –ao mesmo tempo vítimas e protagonistas da violência.
“Só a campanha de desarmamento, por mais meritosa que seja, como política pública isolada, não prosperaria”, reforça o atual secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa. Ele afirma que o país tem um projeto maior para o setor. “Estamos trabalhando na reestruturação do sistema. Investindo em tecnologia, formação dos novos policiais, reeducando os que estão na rua.”
Para o sociólogo Jorge Werthein, representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil, não se pode formular medidas de combate à criminalidade sem a adoção de políticas de inclusão social.
“São Paulo teve êxito na diminuição da violência por uma série de fatores e atores que se juntaram na formulação de políticas importantes.” Ele cita a lei seca, que obriga o fechamento dos bares das 23h às 6h em 16 municípios. A taxa de homicídio caiu 28%, de 1999 a 2004, onde a medida foi adotada. A queda em locais que não a adotaram foi de 19,8%.
Outro exemplo é o Escola da Família, que abre 5.306 escolas estaduais no fim de semana, período em que o homicídio entre jovens de 15 a 24 anos sobe 60%. O programa oferece cultura, esporte e educação. Desde a implantação, houve redução de 36% nas ocorrências nas escolas e entorno.
O sociólogo também acha imprescindíveis medidas repressivas para vetar o acesso a armas ilegais.
O professor de direito Sebastian Scheerer, diretor do Instituto de Criminologia da Universidade de Hamburgo (Alemanha), vai na mesma linha e aponta o risco de aumentar o mercado clandestino: “Quem quer matar, quem faz parte do crime organizado sempre vai dar um jeito de procurar armas por meio de outros canais”.
Para os especialistas, outra ferramenta é recuperar o espaço urbano. “Na cracolândia [centro de SP], a ausência de poder público municipal foi sistemática. Temos botecos e hotéis sem condição sanitária, venda de drogas, prostituição”, diz José Vicente da Silva.
O modelo de prevenção defendido pelos especialistas é amplamente debatido na obra recém-lançada “Segurança Urbana – O Modelo da Nova Prevenção”, do advogado Theodomiro Dias Neto, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
A polícia, em conjunto com outras instituições, se mobilizaria na identificação, análise e solução de problemas, criminais ou não, de um território. E, no lugar de reagir ao incidente, teria atitude preventiva, buscando soluções definitivas. “Caminhar num sentido de maior aproximação da polícia com a sociedade é um meio eficiente para controlar a violência. Não é preciso ter no Brasil uma polícia sueca para buscar isso.”
Para essa alternativa ser viável, ele defende a rediscussão do atual modelo de polícia, que deveria passar por investimentos na seleção e formação, além do aprimoramento dos mecanismos jurídicos de controle e punição de profissionais violentos e corruptos.
Para o secretário Luiz Fernando Corrêa, o país já caminha para isso no conceito de segurança cidadã, que envolve policiamento comunitário e diálogo com lideranças e capacitação de gestores.
Uma experiência embrionária, diz, é o consórcio metropolitano de prevenção à criminalidade. O projeto começou em Recife e deve se estender para Vitória, Belo Horizonte e Distrito Federal.
O pesquisador Guilherme de Almeida, do Núcleo de Violência da USP, lista a solução de conflitos intersubjetivos –como o caso do promotor acusado de matar a tiros um jovem durante uma discussão em Bertioga (SP)–, em que se ensina a população a resolver problemas de forma pacífica.
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