Nem mesmo durante a semana em que as atenções do País – e do mundo – estiveram voltadas para prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ineficiência das investigações criminais foi deixada de lado. Durante a votação do habeas corpus de Lula, no Superior Tribunal Federal, a fala do ministro Dias Toffoli chamou atenção. Ao votar, ele afirmou que nem 8% dos homicídios são apurados e contestou a famosa expressão “a polícia prende e a justiça solta”. “Veja a questão da Marielle. Já vai para um mês. A questão do homicídio no Brasil vai muito além do poder Judiciário!”. E vai mesmo.
De fato, o ataque ao maior bem do ser humano – sua vida – não é combatido pelo Estado na mesma proporção em que avançam as ocorrências de homicídio, que, no ano passado, alcançaram o número estarrecedor de 61 mil mortes. E as expectativas para os anos seguintes são as piores possíveis. Isso porque, como o próprio ministro defendeu, são questões que “vão além” e que não encontraram, mesmo em um momento de grave crise no setor, um gestor público disposto a esclarecê-las e solucioná-las.
O Ministério Extraordinário de Segurança Pública trouxe expectativa de mudança, mas, pouco mais de um mês após sua criação, não há indícios de transformações profundas, capazes de nos levar a um modelo integrado, sistêmico e federativo de gestão, tal como a segurança pública precisa.
A ineficiência do setor não é um defeito do País, uma característica arraigada, mas um equívoco de gestão que se perpetua há décadas. O inquérito policial tem grande relevância nesse cenário. É um instrumento que não possui nenhum efeito legal, nem vinculante, e torna a investigação altamente burocrática, morosa e antiquada. A ferramenta é criticada por policiais e especialistas brasileiros e de várias partes do mundo, mas continua sendo o cerne da investigação criminal no Brasil.
Não podemos esquecer que, por trás de cada um desses calhamaços, há famílias que aguardam justiça, sem saber se seus casos podem sequer chegar à primeira instância.
Para melhorar a persecução penal e ampliar o acesso dos brasileiros à Justiça, será preciso jogar fora instrumentos que não acompanharam o processo de evolução e o modus operandi dos grupos criminosos, inclusive aqueles dedicados a crimes de colarinho branco. A saída é olhar para fora, estudar práticas exitosas no mundo e discutir estratégias com as representações dos órgãos policiais.
No Brasil, despontam algumas iniciativas nesse sentido. O estado de Santa Catarina, por exemplo, já adotou sistema de registro em que a Polícia Militar também realiza o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e caminha para a adoção sistêmica do Ciclo Completo de Polícia. Já Alagoas e Piauí discutem a carreira única, nos moldes do Federal Bureau of Investigation (FBI).
Exemplos esses que podem conduzir gestores públicos a promoverem uma reforma estrutural que resulte em mudança nos processos formalistas, que considere aspectos importantes relacionados à carreira dos investigadores, que desmonte o autoritarismo corporativo instalado nos órgãos policiais, além da criação de um indicador nacional de investigação de assassinatos.
A solução não pode mais ficar limitada a respostas imediatas, medidas provisórias e intervenções federais. É chegada a hora de encerrar o jogo de empurra e executar as mudanças já discutidas exaustivamente até aqui. O brasileiro está farto de impunidade, clama por justiça. E precisamos tornar o acesso a ela exequível.
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