Fonte: O Globo
Condenado a 13 anos de cadeia, o deputado Natan Donadon (RO) deixou a Papuda ontem para submeter o Brasil a um vexame sem precedentes. No planário da Câmara, ele explicou aos colegas por que um político não deve ser cassado pelo Congresso, mesmo depois de julgado pelo Supremo e considerado culpado de crimes como formação de quadrilha e peculato. O escárnio seria consumado a seguir. Em votação secreta, os parlamentares decidiram que Donadon continua deputado federal
Em uma decisão sem precedentes, só 233 deputados votaram pela cassação do deputado de Rondônia. Faltaram 24 votos para atingir a maioria necessária
Contrariando as expectativas, o deputado federal Natan Donadon (sem partido-RO) conseguiu escapar da perda de mandato. Por causa de 24 votos, ele foi absolvido ontem no processo de cassação de que era alvo na Câmara dos Deputados, apesar de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 13 anos de prisão, pena que já está cumprindo há dois meses. Mesmo na cadeia, ele manterá o cargo. O presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), porém, o considerou afastado do exercício do mandato e determinou a convocação do suplente, Amir Lando (PMDB-RO), para assumir pelo tempo em que o parlamentar permanecer na cadeia.
Com autorização da Vara de Execuções Penais do DF, o deputado deixou o Complexo Penitenciário da Papuda no fim da tarde, algemado, dentro de um camburão. Chegou ao Congresso pelo estacionamento usado para carga e descarga de materiais. Ali, os agentes penitenciários que o acompanhavam retiraram as algemas e passaram sua custódia para os policiais legislativos, que o levaram até o plenário.
Ao chegar, Donadon demonstrou desenvoltura e teve o apoio declarado de alguns colegas. O principal cabo eleitoral foi Sérgio Moraes (PTB-RS), que pediu pessoalmente votos contra a cassação do amigo — em 2009, ele declarou: “Estou me lixando para a opinião pública”. Na hora de discursar em sua defesa, o parlamentar conquistou mais aliados ao dar detalhes sobre a prisão em que está há dois meses. “Justo hoje acabou a água enquanto eu tomava banho e estava ensaboado. Tenho sofrido muito, é desumano o que um prisioneiro passa”, comentou. Donadon disse também que enfrenta dificuldades financeiras desde que a Câmara suspendeu o pagamento de seus direitos como deputado em julho. Na lateral do plenário, a mulher e os filhos do ex-peemedebista, entre crises de choro, tiravam fotografias.
Donadon ainda afirmou que o Ministério Público de Rondônia — autor das acusações de fraude em contratos de publicidade que desviaram R$ 8,4 milhões dos cofres públicos (correspondente a R$ 58 milhões em valores atualizados) — omitiu provas que o absolveriam. “Eu sou inocente, nunca desviei um centavo de lugar algum, não seria louco de fazer pagamento sem nota fiscal, peço a solidariedade de vocês, pelo amor de Deus, façam justiça”, declarou. O primeiro sinal de que o discurso poderia ter sensibilizado os colegas foi quando os 25 minutos a que tinha direito para falar tornaram-se 40 quando os próprios parlamentares pediram ao presidente para que ele não fosse interrompido.
Votação secreta
A votação começou por volta das 20h30. Os votos foram nominais e secretos. Para Donadon perder o mandato, eram necessários pelo menos 257 votos a favor do parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que pedia a saída do parlamentar. Apesar de não haver a necessidade de orientação de voto, como acontece normalmente, PSDB, DEM, PPS e PSB declararam a posição das bancadas a favor da cassação. Parlamentares do PSD também disseram que o posicionamento do relator do processo, Sérgio Zveiter (RJ), que é da sigla, teve o aval de toda a bancada.
Ao ver que o quórum estava baixo, Henrique Alves decidiu esperar até as 23 horas para que os faltosos aparecessem. “Há um receio por causa das abstenções”, comentou. Sem poder esperar mais, anunciou o resultado: 233 votos pela cassação, 131 para absolver Donadon e 41 abstenções. Fez toda a diferença a ausência de 107 parlamentares (sem contar a do próprio deputado, que não votou) em uma das noites mais importantes para o Congresso desde que as ruas foram tomadas pela população.
Ao anunciar o resultado, Henrique Alves afirmou que “a representação da Câmara não pode permanecer desfalcada indefinidamente, assim como a sociedade e o estado de Rondônia não podem ficar privados de um de seus representantes”. Visivelmente irritado, o presidente decidiu que não colocará em votação nenhum processo de cassação de mandato até que seja aprovada a proposta de emenda à constituição (PEC) que torna aberto todo voto para esses casos. O texto está sendo analisado em comissão especial e deve ir para o plenário até 24 de setembro.
O resultado irritou os poucos deputados que ainda estavam no plenário. “A Câmara vai pagar esse preço, o povo brasileiro está observando essa cena”, lamentou Ivan Valente (PSol-RJ). “A Câmara está de luto, é de uma tristeza histórica o que está acontecendo esta noite, uma irresponsabilidade o que esta Casa acaba de fazer”, completou o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).
Anunciado o resultado, Donadon ajoelhou-se no chão e fez uma prece de agradecimento. Em seguida, foi escoltado para o camburão que o havia trazido e, algemado, retornou para o presídio da Papuda.
Placar da impunidade
A favor da cassação
233
Contra a cassação
131
Abstenções
41
Votos necessários
para a cassação
257
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