Fernanda Guzzo
Da equipe do Correio
Adauto Cruz/CB – 17/10/06 |
Sandro Avelar: Ao realizar investigações e presidir inquéritos, o MP corrompe o equilíbrio instaurado pela Lei Maior (Constituição) |
Fernando Pilatos/Futura Press – 22/1/02 |
Sérgio Gomes é apontado como mandante da morte de Celso Daniel |
A defesa de Sombra questiona a validade do processo porque integrantes do Ministério Público participaram das investigações do caso e, por isso, pede que ele seja anulado. Segundo procuradores, caso os ministros entendam que o MP não tenha realmente esse poder de apurar infrações penais, o processo contra Sombra — e tantos outros em curso ou já julgados no país— podem ser anulados.
A polêmica, que está no Supremo há muitos anos, ocorre porque a Constituição assegura às polícias a exclusividade de conduzir a fase de investigações de um caso, mas, na prática, a iniciativa também faz parte da rotina de procuradores e promotores. Por essa razão, a questão é um ponto de confronto antigo entre integrantes do Ministério Público e agentes da polícia e ainda alvo de disputa de poder entre as categorias.
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), inclusive, moveu duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo sobre o tema. As ações devem entrar em pauta em breve, mas o julgamento do caso de Sombra pode antecipar o entendimento da composição atual da Corte sobre a questão. O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, informou na sexta-feira que seu voto está pronto para ser levado a plenário.
Sombra foi solto pelo Supremo em julho de 2004 por uma decisão liminar concedida pelo então ministro Nelson Jobim, cujo mérito deverá ser discutido pelos ministros hoje. Em 2006, os advogados de Sombra entraram com outro recurso pedindo liminar para afastar os promotores que atuaram na fase de investigação do assassinato de Celso Daniel. O pedido foi negado por Mello.
Segundo o MP, o empresário teria encomendado a morte de Celso Daniel para manter um suposto esquema de corrupção em Santo André. Outro caso emblemático baseado em grande parte numa apuração do MP foi a que resultou na condenação do juiz Nicolau dos Santos Neto, acusado de desvio de R$ 169,5 milhões das obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
Preocupação
O Ministério Público está preocupado com o destino do processo de Sombra. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, chegou a mandar um memorial para o ministro Marco Aurélio informando que as provas do processo não foram exclusivamente produzidas pelo MP, mas também por meio de uma comissão parlamentar de inquérito e pela polícia. Ele espera que isso possa derrubar os argumentos da defesa. E levantou a discussão: “Em todos os países democráticos, o MP tem a atribuição de investigar. No Brasil, o Parlamento investiga, a Receita investiga, e o MP, não pode?”, questiona.
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antonio Carlos Bigonha, o caso de hoje é emblemático. “Caso os ministros decidam que o MP não pode investigar, isso será um grande retrocesso e trará mais impunidade”, disse. Já o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Sandro Avelar, acredita que “ao realizar investigações e presidir inquéritos, o MP corrompe o equilíbrio instaurado pela Lei Maior (Constituição)”. Os policiais também argumentam que a função do MP na investigação criminal seria apenas de requisitar diligências investigatórias e não realizá-las diretamente para produzir provas.
Em 2004, o STF começou a julgar o poder de investigar do MP num inquérito criminal contra o ex-deputado Remi Trinta (PL-MA), que acabou sendo enviado para a primeira instância da Justiça porque o parlamentar perdeu o foro privilegiado. Ele foi acusado de fraudar o Sistema Único de Saúde, com base em investigações feitas pelo Ministério Público Federal.
Em sua defesa, o deputado alegou atipicidade da conduta, inépcia da denúncia e falta de justa causa para a ação penal, já que o Ministério Público Federal não teria competência para proceder a investigação de natureza criminal. Na época, três ministros votaram à favor da pretensão do MP: os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Ayres Britto. O ministro Marco Aurélio e o então ministro Nelson Jobim votaram contra.
Caso os ministros decidam que o MP não pode investigar, isso será um grande retrocesso e trará mais impunidade |
Antonio Carlos Bigonha, Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)
Em todos os países democráticos, o MP tem a atribuição de investigar. No Brasil, o Parlamento investiga, a Receita investiga, e o MP, não pode? |
Rodrigo Pinho, procurador-geral de Justiça de São Paulo
Comments are closed.