Um Boeing 747 da Aerolíneas Argentinas precisou fazer uma escala técnica no Aeroporto Internacional do Recife-Guararapes/Gilberto Freyre, na madrugada de ontem. O vôo AR-1135 que saiu de Madri (Espanha) e seguia para Buenos Aires apresentou um problema de vazamento de óleo em uma das turbinas e aterrissou no Recife por volta das 2h. A bordo, entre os 389 passageiros, estavam nove sul-americanos deportados da Espanha e um argentino acusado de cometer 42 homicídios, que estava sendo extraditado. A tripulação era de 16 pessoas. Apesar de estarem com passaportes, os passageiros espanhóis, maioria na aeronave, foram proibidos de circular pela capital pernambucana.
De acordo com o jornal El País, de Madri, houve insatisfação pelo fato de os europeus terem sido obrigados a esperar sete horas no aeroporto, antes de serem levados a hotéis. O incidente, apesar de não ter sido considerado por autoridades brasileiras como um gesto de reciprocidade ao grande número de cidadãos repatriados pela Espanha (leia o Para Saber Mais nesta página), causou mal-estar na imprensa de Madri. Falando ao El País, um passageiro classificou o fato como “seqüestro” e considerou “intolerável a atitude das autoridades brasileiras, pois em circunstâncias normais poderia-se deixar o aeroporto apenas com o passaporte”.
A Polícia Federal informou que os deportados presentes no vôo eram sete argentinos, um chileno e um paraguaio. Eles foram mandados para seus países porque tinham documentação incompleta. O caso é idêntico ao dos espanhóis que também estão sendo impedidos de entrar no Brasil — só neste ano, pelo menos 25 encararam a repatriação por não conseguirem comprovar como se manteriam no país (leia a matéria abaixo).
Trinta e cinco passageiros deixaram o Recife ainda na manhã de ontem. Eles embarcaram para o Rio de Janeiro em um vôo da empresa Gol e de lá seguiriam suas viagens. Entre eles, havia pessoas de várias nacionalidades, inclusive brasileiros e até norte-americanos. No entanto, a grande maioria era formada por espanhóis e argentinos. O suspeito de cometer 42 homicídios, os nove deportados e os demais passageiros somente deixariam o Recife às 21h, num outro vôo da Aerolíneas.
Indignação
O criminoso argentino que veio no mesmo vôo de Madri é o ex-policial Rodolfo Almirón, 70 anos, acusado de chefiar o grupo armado ultradireitista Tríplice A. Ele estava sendo custodiado por dois policiais federais argentinos. Os demais passageiros não haviam sido informados da presença do suposto assassino no avião. Os clientes da Aerolineas estavam revoltados com o problema ocorrido no Boeing e com a demora na busca de uma solução.
A estudante de direito Letícia Roa, 23 anos, foi uma das passageiras que teve a viagem atrasada pelo problema na aeronave. Ela passou seis meses na cidade de Múrcia, no sul da Espanha, e estava voltando para casa,
A Aerolíneas Argentinas informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que o vôo 1135 procedente do Aeroporto de Barajas decolou às 22h05 da segunda-feira da capital espanhola. A aeronave que apresentou problema permanecerá no Recife para ser vistoriada e consertada por técnicos da empresa. Também segundo a companhia, um outro avião semelhante saiu de Buenos Aires para levar, ainda na noite de ontem, os passageiros que passaram o dia no Recife.
13,7 MIL
brasileiros entraram legalmente na Espanha só no mês de janeiro.
3.083
brasileiros foram barrados nos aeroportos espanhóis em 2007.
12,6%
dos estrangeiros impedidos de entrar na Espanha em 2007 eram brasileiros.
para saber mais
Controle rigoroso
A crise dos deportados, entre Espanha e Brasil, teve início na primeira semana deste mês, quando cerca de 30 brasileiros tiveram de voltar ao país depois de desembarcarem no Aeroporto Internacional de Barajas,
O caso chamou a atenção para as condições dos brasileiros — e outros estrangeiros impedidos de entrar na Espanha — que passam vários dias isolados no aeroporto, aguardando um vôo de deportação. Em janeiro e fevereiro deste ano, segundo dados do Ministério do Interior espanhol, 480 brasileiros foram mandados de volta para casa por não cumprirem os requisitos de entrada no espaço Schengen. Entre as cobranças estão passagem de retorno, comprovante do local de hospedagem na Europa e dinheiro suficiente para se sustentar durante a estada. Por conta das denúncias de tratamento ríspido e desumano, o Brasil passou a impor medidas semelhantes a espanhóis que chegam ao país.
Espanhóis denunciam “tortura psicológica”
Outro incidente com espanhóis barrados pela imigração no Brasil pode esquentar ainda mais o clima nas relações bilaterais. O jornal El Mundo publicou a história de dois jovens que teriam sido tratados de forma “vexatória” pela Polícia Federal na chegada ao aeroporto de Guarulhos, no último sábado. Os turistas A. C. e J. L., que não quiseram revelar a identidade, contam que foram acusados de pedofilia e tiveram os computadores revistados em busca de fotos de “crianças”. Em resposta ao Correio, a assessoria da PF alegou desconhecer o caso.
“O tratamento foi inquisitivo: nos deixaram indefesos e incomunicáveis. Eles não faziam mais do que nos amedrontar”, relatou A.C., que chegou a São Paulo com o vôo 6821 da companhia Iberia. Os espanhóis, que vieram passar a semana santa, disseram ter 3 mil euros, cartões de crédito e a carta-convite de um compatriota residente no Brasil, que ofereceu hospedagem e o bilhete de volta.
Segundo um dos deportados, agentes da imigração lembravam a todo momento o caso de Janaína Agostinho, brasileira que ficou retida uma semana no aeroporto de Barajas, em Madri. “Foi uma represália. Mas não se pode começar uma vingança contra os cidadãos espanhóis, pois não temos nada a ver com isso. Esse é um tema político que deve ser resolvido”, afirma o jovem, que já havia estado no Brasil outras vezes. Os dois teriam passado a noite na sala de deportados e, no domingo, voltaram para a Espanha.
Reciprocidade
Ontem, o Ministério Público Federal em Guarulhos pediu mais rigor para a entrada de espanhóis. O órgão ajuizou uma ação civil pública com pedido de liminar para que a Justiça Federal determine à União empregar o princípio jurídico da reciprocidade para os cidadãos da Espanha que desejam entrar no país. As exigências seriam as mesmas que os brasileiros enfrentam lá, como apresentação de passaporte válido por mais de seis meses, de comprovante de hospedagem e bilhete de volta. É preciso comprovar a posse de pelo menos 57,06 euros por dia de permanência e ter seguro médico internacional com cobertura de 30 mil euros, entre outros requisitos.
De acordo com o procurador da República Matheus Magnani, autor da ação, a intenção não é fazer um juízo sobre o controle das fronteiras na Espanha. “Queremos chamar a atenção dos espanhóis para a necessidade de respeitar os direitos humanos. Temos casos de brasileiros, até mesmo um padre, que foram humilhados, passaram fome e sede, sofreram tortura psicológica”, acusa Magnani. A União tem até três dias úteis para se manifestar sobre a ação. Se for aceita, ela passará a valer em todos os portos e aeroportos do país.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também anunciou ontem que avaliará o caso de brasileiros impedidos de entrar na Espanha. O presidente da Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato, enviou ofícios ao chanceler Celso Amorim e ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, pedindo, respectivamente, informações sobre as providências adotadas pelas autoridades consulares brasileira, e sobre o tratamento dado aos espanhóis que chegam ao Brasil.
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