Fonte: O Globo
Batizada de “Cidadã” pelo presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, seu grande líder, a Constituição de 1988 consegue o feito de completar um quarto de século sem que tenha sido atropelada em algum ataque às instituições — destes que ocorrem no continente, agora sob o disfarce do nacional-populismo, em nome da “justiça social” Neste meio tempo, um presidente (Collor) foi removido do Planalto por um processo de im-peachment aberto pelo Congresso, sob a acusação de corrupção e conseqüente atentado ao decoro exigido pelo cargo. Outro feito, num país cuja República, fundada pelos militares, passou muito tempo sob tutela dos quartéis.
Na série de reportagens do GLOBO de balanço destes 25 anos tem realce a importância da Carta no restabelecimento dos direitos civis cassados pela ditadura — e até com avanços. Caso do fortalecimento do Ministério Público, como braço do Estado representante da sociedade, independente do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Há, no entanto, o outro lado da história, o de uma Constituição excessivamente detalhista e, mais grave, elaborada num momento em que o mundo acelerava o passo e deixava para trás modelos de organização da sociedade e de sistemas de produção muito dependentes do Estado. Tanto que, no ano seguinte ao da promulgação da Carta, desabaria o Muro de Berlim e ficava sob os escombros o “socialismo real”
A visão ideológica preponderante no desenho da Carta de 88 manteve o Estado numa posição central. Caberia a ele fazer “justiça social” pela redistribuição das rendas, distribuição assistencialista de bilhões arrecadados por uma miríade de impostos.
O então presidente da República, José Sarney, percebeu que o país ficaria “ingovernável”! Entendeu-se que o PIB brasileiro não conseguiria financiar todos os bons propósitos da “Cidadã”
E foi assim que a Carta, enquanto recolocava o Brasil entre as maiores democracias do mundo, também fazia desabar sobre a sociedade o enorme peso de uma carga tributária crescente, até chegarmos aos atuais 36% do PIB, uma enormidade. E mesmo assim a universalização da saúde pública, via SUS, é capenga; critica-se que falta dinheiro para a Educação etc.
Na verdade, o país sonhado em 1987/88 pela maioria dos constituintes, uma nação “justa” sob proteção do Estado, não existe e nem existirá, por inviável. Daí a Carta de 88 ter uma história de reformas pontuais. Já foram feitas 80 mudanças e faltam outras. Por exemplo, para as contas públicas não explodirem junto com a Previdência.
Não há alternativa, na impossibilidade de se convocar uma outra Constituinte, instrumento adequado apenas para fases posteriores a rupturas institucionais. Não é o caso. Resta o trabalho cotidiano de formação de maiorias, pelo convencimento político, para se fazer os devidos ajustes numa Constituição em estado de revisão permanente. Sem salvacionismos.
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