Por Marcelo Biar*
Quem sabe lhe roubaram ovo de Páscoa na infância. Talvez tenha sido o caçula de uma enorme família. Os primos e irmãos não brincavam muito com ele. Era sempre o primeiro a ser pego nos piques. Levava cascudo de todos. Já sei, na escola nunca era do time, não era convidado paras as festinhas, quando era nenhuma menina aceitava dançar com ele e as bolinhas de papel tinham sua cabeça como alvo predileto.
Gostaria de acreditar que foi por isso. Que tudo isso junto gerou problemas neste menino que hoje, sendo delegado federal, não resistiu e prendeu a faxineira que lhe comeu o bom bom. Quem me dera crer que foi isso.
Não! Não foi isso. Se fosse seria fácil. Uma boa terapia e tudo ficaria melhor. Trata-se de uma afirmação de poder incondicional desejado por uma categoria que, a sombra de um período turbulento, vem alçando sua afirmação por práticas anti democráticas.
Prefiro não pensar neste delegado chocólatra como indivíduo. Nem sei seu nome. Trata-se do grupo. Do mesmo grupo que não se percebe policial federal e não permite representar por um sindicato que agrupe todos aqueles que fazem parte desta corporação, como por exemplo os professores públicos do Rio de Janeiro que tem seu sindicato, o SEPE, como a aglutinação de profissionais da educação. Não. Eles possuem sua associação própria ADPF (Associação de Delegados da Polícia Federal). Brigam para que não seja aprovado nenhum plano de carreira que permita que um escrivão ou agente, ambos funcionários de nível superior, cheguem ao fim de suas carreiras recebendo mais que um delegado em início de carreira. E pior, alegam que isto feriria a hierarquia (?).
Foram estes moços que tentaram a PEC 37, que lhes assegurava exclusividade de investigação, anulando, inclusive, o Ministério Público Federal. Estes que, na surdina, conseguiram aprovar a LEI 12830/2013, que afirma sua competência como profissional de investigação e, em seu artigo 3º determina que “o cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel de direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.” Que assim seja doutor que não fez doutorado. Vossa excelência fica feliz assim?
Felizmente esta última lei está sendo questionada pelo Superior Tribunal Federal, apontada como inconstitucional.
Pois é, a questão não é um bom bom. Trata-se do gosto pela concentração de poder que, na contramão de uma democracia que tenta se afirmar, fere princípios básicos da cidadania. Este episódio entre o delegado e a faxineira é tão somente emblemático do que se pretende. De um poder que afirma desigualdades.
Este chocolate é amargo, e seu recheio é velho e podre!
*Marcelo Biar é professor de História, compositor e escritor.
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