Fonte: Correio Braziliense
Saiba como o PT e o PMDB, escondidos atrás do voto secreto, urdiram na noite de quarta-feira a trama que livrou Natan Donadon da cassação. A manobra, que desmoraliza em vez de fortalecer o Legislativo, antecipa qual deve ser o destino de deputados mensaleiros caso o STF não reveja as penas dos réus. Criticada por ministros do Supremo, a decisão da Câmara criou a figura de sua excelência, o presidiário, um escândalo sem precedentes na história do país. Temendo o desgaste político, parlamentares voltaram a defender a aprovação de duas propostas. Uma que acaba com o voto sigiloso em processos de perda de mandato. Outra que torna automática a cassação de condenados em última instância. Mas a oposição não crê que isso ocorra antes da absolvição de Genoino, João Paulo & Cia. Em julgamento, ontem, o STF rejeitou recursos apresentados pela defesa de Dirceu.
Os parlamentares amanheceram ontem crucificando o voto secreto para a cassação de colegas, apontado como o motivo para a absolvição de Natan Donadon. Mas, apesar dos discursos favoráveis ao fim do sigilo, a falta de transparência corre o risco de voltar com ainda mais evidência na decisão sobre a perda de mandato dos mensaleiros. E, caso não haja vontade política para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto aberto para cassação seja aprovada com rapidez, ainda há o risco de os condenados pelo mensalão serem beneficiados pelo velho modelo. A decisão da noite de quarta-feira pode também mudar os rumos sobre o rito de perda de mandato para parlamentares condenados.
A PEC nº 196/2012, que torna o voto aberto apenas para casos de cassação, deverá chegar ao plenário até 24 de setembro. A previsão é do relator do texto na comissão especial que trata do tema na Câmara, Vanderlei Macris (PSDB-SP). “O resultado do Donadon seria outro se o texto já tivesse sido aprovado”, comenta. Após analisada no colegiado, a proposta precisa ser votada em dois turnos no plenário. A previsão mais otimista é de que ela seja promulgada até meados de outubro. Se ela for cumprida, dificilmente os quatro parlamentares envolvidos no mensalão — José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) — terão o mesmo benefício de Donadon.
Depois da manutenção do mandato do deputado que já estava condenado e preso, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), declarou que não colocaria em votação nenhum caso de perda de mandato enquanto a PEC do voto aberto não fosse aprovada. “Isso é acordado por todos os líderes”, garante ele. Mas, na prática, alguns partidos ainda resistem ao fim do voto secreto. A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) há dois meses, mas a comissão especial só acabou instalada na semana passada, quando todas as legendas indicaram seus integrantes — PT e PMDB deixaram para o prazo final.
Críticas
Diversos parlamentares subiram ontem à tribuna para criticar o voto secreto. “O Congresso está de cócoras perante o mundo”, condenou o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN). “Fico impressionado como o parlamento brasileiro está dissociado da agenda da população brasileira”, disse o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). “Não tem nada que justifique a manutenção do segredo no voto, que é uma informação a que todo eleitor tem direito”, comentou Reguffe (PDT-DF). A reclamação foi feita também por especialistas.
Ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prometeu dar celeridade à votação da chamada PEC dos mensaleiros, que prevê a perda imediata de mandato em casos de condenação em última instância por improbidade administrativa. “As prerrogativas não são eternas. A sociedade muda e nós precisamos mudar . Essa situação da prisão com o exercício do mandato não dá mais”, justificou.
Suplente assume
O suplente de Natan Donadon tomou possou ontem. Ex-ministro da Previdência no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-senador e relator da CPI que investigou denúncias contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, Amir Lando (PMDB-RO) assumiu o cargo diante de um plenário vazio. Aos jornalistas, ele disse ter acompanhado a sessão em que Donadon foi absolvido pela tevê. “Ninguém levantou a mão e disse “vamos parar com essa farsa. Agora, não adianta chorar pelo leite derramado””, comentou. Segundo ele, o Legislativo “vive de emoção”, o que pode ter ajudado o deputado preso a sensibilizar os colegas. Lando defendeu também o fim do voto secreto, mas disse não se sentir constrangido de assumir o cargo. “Esse capítulo o povo tem o direito de execrar. Eu não roubei. Quem não rouba tem de trabalhar”, disse.
Comments are closed.