Fonte: Folha de São Paulo
A ONU (Organização das Nações Unidas) afirmou nesta segunda-feira (11) que é contra a redução da maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos e que está “preocupada” com a tramitação da PEC (Proposta de Emenda constitucional) que prevê a alteração da lei.
Em nota (leia a íntegra abaixo), a organização diz que “se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a Justiça, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado”.
A possibilidade da alteração da Constituição foi aprovada em março pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) da Câmara.
Agora, o projeto está sendo discutido por uma comissão especial da Casa, que deve votar um relatório sobre o tema até o final de junho. Se ele for liberado, a proposta será votada na Câmara. Se aprovada, segue para o Senado.
Esse colegiado pode manter ou alterar o texto original, estabelecendo, por exemplo, que a imputação penal a partir dos 16 anos, valerá para determinados crimes graves, como os hediondos. A comissão especial vai consolidar um relatório para ser analisado no plenário da Câmara, tendo que passar por duas votações e receber pelo menos os votos de 308 dos 513 deputados para ser aprovado.
Atualmente, um adolescente que comete crime pode ficar internado por, no máximo, três anos e até os 21 anos. O crime não fica registrado nos antecedentes do jovem.
A ONU destacou ainda que as estatísticas mostram que os adolescentes e jovens, especialmente os negros e pobres, estão sendo assassinados de forma sistemática no país.
O documento diz que, dos 21 milhões de adolescente que vivem no país, 0.013% cometeu atos contra a vida. “Os adolescentes são muita mais vítimas do que autores de violência”, afirma.
O deputado André Moura (PSC), presidente do grupo que analisa a PEC na Câmara, é favorável à redução para crimes hediondos (latrocínio e estupro, por exemplo) e contestou a comparação da ONU.
Ele diz que a população carcerária adulta no país, hoje em cerca de 700 mil, também representa pouco se comparado aos cerca de 200 milhões de brasileiros, de acordo com IBGE.
O deputado Laerte Bessa (PSC), ex-delegado e relator da comissão especial, diz não haver razão para alvoroço.
“Vou decidir juntamente com a comissão e baseado nos depoimentos que ali acontecerem. Estamos debatendo, a ONU não precisa ficar se alvoroçando, pois temos muito trabalho pela frente”, afirma.
Ele também se diz favorável à mudança apenas para os casos de crimes hediondos, e discorda da posição da ONU.
“ O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] não está funcionando. Sobre a diminuição da violência [devido à medida], de uma forma ou de outra, vai ajudar diminuí-la. Essa é a minha primeira impressão”, diz o deputado.
Levantamento publicado pela Câmara em abril mostra que, dos 27 deputados da Casa que participam da comissão especial, 21 (78%) defendem a redução da idade.
Entre os que concordam com a mudança, 14 a defendem só para os crimes hediondos e 7, para todos os casos.
Pesquisa
Pesquisa Datafolha realizada em meados de abril mostra que 87% dos brasileiros seriam a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
O percentual é o maior já registrado pelo instituo desde a primeira pesquisa sobre o tema, em 2003. Naquele ano e também em 2006, quando ocorreu um segundo levantamento, 84% disseram ser a favor da redução da idade.
Nota do Sistema ONU no Brasil sobre redução da maioridade penal
O Sistema ONU no Brasil acompanha com preocupação a tramitação, no Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e o debate nacional sobre o tema.
O Sistema ONU condena qualquer forma de violência, incluindo aquela praticada por adolescentes e jovens. No entanto, é com grande inquietação que se constata que os adolescentes vêm sendo publicamente apontados como responsáveis pelas alarmantes estatísticas de violência no País, em um ciclo de sucessivas violações de direitos.
Dados oficiais mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida1. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País. Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria2.
Os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por causas não naturais, enquanto, para a população em geral, esse tipo de morte representa 4,8% do total. Somente entre 2006 e 2012, pelo menos 33 mil adolescentes entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil3. Na grande maioria dos casos, as vítimas são adolescentes que vivem em condições de pobreza na periferia das grandes cidades.
O Sistema ONU alerta que, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.
O sistema penitenciário brasileiro já enfrenta enormes desafios para reinserir adultos na sociedade. Encarcerar adolescentes jovens de 16 e 17 anos em presídios superlotados será expô-los à influência direta de facções do crime organizado. Uma solução efetiva para os atos de violência cometidos por adolescentes e jovens passa necessariamente pela análise das causas e pela adoção de uma abordagem integral em relação ao problema da violência4.
Investir na população de adolescentes e jovens é a chave para o desenvolvimento. Dificilmente progressos sociais e econômicos poderão ser alcançados nos próximos anos sem os investimentos certos nesta que é a maior população jovem da história: no mundo, são mais de 1,8 bilhão de adolescentes e jovens (10 a 24 anos), e no Brasil esse número ultrapassa 51 milhões5. Essa quantidade sem precedentes de adolescentes e jovens no Brasil e no mundo – propiciada pelo chamado “bônus demográfico” – constitui uma oportunidade única para que a consecução do desenvolvimento em todas as suas dimensões seja sustentável. Para isso, Estados e sociedades devem reconhecer o potencial desses adolescentes e jovens e assegurar os meios para que as contribuições presentes e futuras desses segmentos tenham impactos positivos para suas trajetórias, suas famílias, comunidades e países.
Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas vezes agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de acesso destas aos benefícios das políticas públicas de educação, trabalho e emprego, saúde, habitação, assistência social, lazer, cultura, cidadania e acesso à justiça que, potencialmente, deveriam estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo de vida.
Várias evidências apontam que o encarceramento de pessoas, em geral, agrava sua situação de saúde e o seu isolamento, representando uma grande barreira ao desenvolvimento de suas habilidades para a vida. A redução da maioridade penal e o consequente encarceramento de adolescentes de 16 e 17 anos poderia acentuar ainda mais as vulnerabilidades dessa faixa da população à violência e ao crime6.
No Brasil, adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados por atos cometidos contra a lei, a partir do sistema especializado de responsabilização, por meio de medidas socioeducativas, incluindo a medida de privação de liberdade, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Se tal sistema não tem conseguido dar respostas efetivas, é preciso aperfeiçoá-lo de acordo com o modelo especializado de justiça juvenil, harmonizado com os padrões internacionais já incorporados à Constituição Federal de 1988.
Além de estar na contramão das medidas mais efetivas de enfrentamento da violência, a redução da maioridade penal agrava contextos de vulnerabilidade, reforça o racismo e a discriminação racial e social, e fere acordos de direitos humanos e compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado brasileiro.
Um dos compromissos fundamentais que o Brasil assume ao ratificar um tratado internacional é o de adequar sua legislação interna aos preceitos desse tratado, tal como assinala a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados7. Assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), ratificada pelo Estado brasileiro no dia 24 de setembro de 1990, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos e titulares de direitos, estabelecendo em seu artigo primeiro que criança é “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”8.
Em relação às responsabilidades das pessoas menores de 18 anos, a CDC estabelece claramente, em seus artigos 1, 37 e 40, que: (i) nenhuma pessoa menor de 18 anos de idade pode ser julgada como um adulto; (ii) deve se estabelecer uma idade mínima na qual o Estado renuncia a qualquer tipo de responsabilização penal; (iii) seja implementado no País um sistema de responsabilização específico para os menores de idade em relação à idade penal, garantindo a presunção de inocência e o devido processo legal, e estabelecendo penas diferenciadas, onde a privação da liberdade seja utilizada tão só como medida de último recurso.
O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a importância do debate sobre o tema da violência e espera que o Brasil continue sendo uma forte liderança regional e global ao buscar respostas que assegurem os direitos humanos e ampliem o sistema de proteção social e de segurança cidadã a todos e todas.
O Sistema ONU no Brasil reitera seu compromisso de apoiar o trabalho do País em favor da garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens e convoca todos os atores sociais a continuar dialogando e construindo, conjuntamente, as melhores alternativas para aprimorar o atual sistema de responsabilização de adolescentes e jovens a quem se atribui a pratica de delitos.
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