Fonte: Gazeta do Povo
Diretor-geral da PF determina o cumprimento de lei que exige o tratamento diferenciado. Demais policiais reclamam
Pronome de tratamento que denota alto grau de respeito, vossa excelência é a maneira como os delegados da Polícia Federal (PF) querem ser chamados por seus subordinados e pelo público externo.
A exigência se baseia no artigo 3.º da Lei 12.830, de junho de 2013, que determina que os delegados da PF “devem ter o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.
Apesar da previsão em lei, na prática, é incomum presenciar esse tipo de tratamento com os delegados federais. O mais corriqueiro é que eles sejam chamados apenas de “senhor”.
No início deste mês, porém, o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, encaminhou um ofício ao Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (Sindipol) informando que aos delegados “deverá ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados”.
Em nota, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, afirma que “em uma instituição policial marcada pela hierarquia e disciplina, a observância da legalidade se sobressai ainda mais. Assim, o policial federal tem o dever de observar a lei, assim como as demais normas dispensadas ao tratamento de outras carreiras jurídicas”.
Os demais policiais federais, porém, se posicionam contrários à medida. “No caso da PF, por ser uma carreira constitucional única, não cabe uma diferenciação de tratamento para qualquer dos cargos”, explica o vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) Luís Boudens. “É uma super glorificação de um cargo”.
Para Boudens, o trabalho da PF não é excelente. Portanto, não há razão para esse pronome de tratamento ser utilizado. “A nossa efetividade diária não é boa, não é um trabalho de excelência”, argumenta. De acordo com o vice-presidente, apenas 4% dos inquéritos abertos são solucionados.
Segundo Boudens, a redação da lei em que aparece o termo “tratamento protocolar” não dá direito aos delegados de serem chamados de vossa excelência. O texto, segundo a Fenapef, garante apenas os mesmos direitos a magistrados, delegados, advogados e membros do Ministério Público e Defensoria Pública nos processos criminais.
A Fenapef entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a determinação para que os delegados sejam chamados de excelência.
Respeito
Para a professora Maria Foltran, do Departamento de Literatura e Linguística da UFPR, o tratamento de “senhor” é respeitoso e não haveria nenhuma mudança efetiva em chamar os delegados de “vossa excelência”. “Teria o mesmo valor que teria qualquer outro tipo de tratamento”, diz ela.
Tratamento diferenciado vem dos tempos das monarquias
Kelli Kadanus
A origem dos pronomes de tratamento vem da época das monarquias. “São regras sociais. Linguisticamente, não há nada que determine que um tratamento é para um ou outro. Isso é dado socialmente, uma tradição que colocou alguns tratamentos para alguns cargos”, explica a professora de linguística Maria Foltran, do Departamento de Literatura e Linguística da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Alguns pronomes acabam sumindo de acordo com a evolução da língua, como é o caso do “vossa mercê”, que acabou sendo abreviado para “você”.
A professora diz que alguns pronomes não desapareceram da língua moderna por uma questão de relações de poderes. “Não desaparece porque continua essa relação de poder”, afirma.
“As normas protocolares foram fixadas há mais de cem anos”, diz o professor de língua portuguesa Antônio Villatore. Ele critica a exigência do uso do tratamento de vossa excelência para delegados federais. “As pessoas querem um título que não as pertence. Chega a ser uma agressão a uma norma cultural”, diz. “A excelência é uma representação do maior; é uma titulação que não é gratuita”, afirma.
De acordo com Antônio Villatore, o tratamento adequado para os delegados seria vossa senhoria. “Essa lei contraria o bom senso natural das leis protocolares”, avalia.
Resistência lamentável
“É lamentável essa resistência em seguir a lei apenas com relação à classe dirigente da Polícia Federal. A nosso ver, a excelência na prestação de serviços ao cidadão passa pelo tratamento urbano com seus pares e o respeito à hierarquia e à disciplina na cadeia de comando da instituição”, diz em nota o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro.
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