Convidado a falar sobre o tema, o presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, Flávio Werneck, concedeu entrevista à revista francesa Conflits.
Confira a entrevista na íntegra abaixo em tradução livre:
O Brasil é considerado um dos países mais criminosos do mundo. Isso corresponde à realidade e como você explica isso?
A afirmação infelizmente corresponde à realidade hoje no Brasil. Temos índices de violência astronômicos (veja o quadro).
Importa ressaltar ainda que enfrentamos uma corrupção sistêmica. Segundo a CGU, 80% das prefeituras fiscalizadas apresentam irregularidades graves e médias, que indicam a ocorrência de desvios de recursos públicos federais. Mais de um terço dos Municípios já foram fiscalizados.
Paralelamente a isso, se levarmos em conta o IDH estabelecido pelo PNUD, o Brasil ocupa a posição de número 75, entre 188 países pesquisados. Enquanto ocupa ao mesmo tempo a 8ª economia mundial . Esses números podem ser explicados, em breve análise, pela falência de um sistema organizado de persecução criminal, de uma prevenção inoperante e, in fine, onde a impunidade se beneficia do sistema criminal brasileiro.
Existe uma máfia real ou deveríamos falar de “apenas” gangues?
Temos cerca de 80 organizações criminosas que tem como base o tráfico de drogas, mas também organizam o contrabando, roubo a banco e a caixas eletrônicos, dentre outros crimes. Três organizações criminosas são consideradas de grande porte, seja pelo número estimado de integrantes, seja por sua suposta movimentação financeira. O PCC – Primeiro Comando da Capital; FDN – Família do Norte; e o CV – Comando Vermelho. Tais organizações buscam colocar integrantes ou simpatizantes dentro das entidades governamentais, para influenciar políticas de estado e ampliar ainda mais uma corrupção endêmica que facilitem a busca de lucro. Observamos no Brasil indícios de organizações criminosas atuando dentro dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
O incremento das investigações de corrupção e colarinho branco nos últimos 20 anos demonstra que onde grandes empresas, funcionários públicos e políticos se organizaram para desviar somas colossais dos cofres públicos. Operações como a Lava Jato revela apenas uma ponta que corrói não só as finanças, mas também a confiabilidade das instituições brasileiras.
No Brasil a corrupção se tornou endêmica. Não está mais restrita a uma região ou em pontos determinados do território nacional. Ela gangrena todo o tecido social e o espectro político e ainda todas as instâncias de poder.
O que esse fenômeno custa no Brasil? Você pode dar uma ideia por alguns números, mas também por mencionar a estabilidade do sistema político, ele é atingido? Da sociedade, ela é abalada como um todo? E da economia, a criminalidade a faz “sangrar”?
Segundo a ONU e o Ministério Público a corrupção custou ao país, em 2017, 200 bilhões de reais (cerca de 50 bilhoes de euros). Mas o prejuízo vai bem mais longe
A democracia brasileira parece estar em cheque. De acordo com pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros, 73% dos nossos cidadãos não participam de qualquer tipo de associação, seja de caráter político ou social. Dados oficiais recentes demonstram que mais de 38% dos brasileiros não irá às urnas ou votará nulo ou branco. Ainda pior, o apoio popular à democracia é de apenas 32% no país, maior apenas que da Guatemala (30%) e muito abaixo da média da América Latina que ficou em 54%.
A falta de perspectiva de evolução e a cultura da corrupção no país afetam diretamente a sociedade. Um estudo da Universidade de Brasília mostra que 50,3% dos brasileiros afirmaram que contratariam parentes se fossem servidores públicos; 28,1% afirmaram que utilizariam – se pudessem – cartões corporativos com despesas pessoais; 22,5% admitiu já ter desobedecido alguma lei e outros 18,1% confessaram ter recebido propina para atender alguma reivindicação legítima dos cidadãos. Claramente esses dados se refletem direta e indiretamente na economia brasileira.
Parece que a intervenção do exército nas favelas do Rio não foi bem sucedida. O que é isso exatamente?
Em matéria de segurança pública o uso das forças armadas deve ser excepcional, limitadas a situações de crise. A intervenção que você menciona tem lugar num caldeirão político extremamente complicado. Ela se desenvolve sem nenhuma modificação do sistema de segurança pública. Mal comparando, observamos que estamos aplicando um analgésico sem oferecer o antibiótico.
A atual intervenção se dá por duas causas maiores: a reiterada utilização das forças armadas, que deveria ser apenas na excepcionalidade; e sobretudo da ausência de projeto realmente estruturado para alterar o atual modelo de segurança pública. O que há hoje de ações preventivas? E quanto a investimentos em matéria de educação e urbanismo? E quanto à simplificação de procedimentos administrativos e judiciais?
O que a polícia faz contra o crime organizado? E o que mais ela poderia fazer?
O atual modelo de investigação policial não permite descortinar a atividade de muitas organizações criminosas. Principalmente as que estão atacando diretamente dinheiro público. Foram assim criados nos diferentes Estados estruturas dedicadas – como os Grupos Especiais contra o Crime Organizado – para identificar de perto as ações dessas organizações e compartilhar as informações para combatê-los. O que faz não é fácil! Recentemente, o governo aprovou a implementação do Sistema Único de Segurança Pública. Através de uma organização central sistema de informação, ele visa optimizar o fluxo de informação, em particular em questões financeiras, o coração do sistema criminal. O governo começa concluir acordos bilaterais com países vizinhos, permitindo intercâmbio de informações e inteligência
Os desafios na luta contra o crime organizado são enormes. E o equilíbrio é por vezes delicado entre o respeito pelos direitos fundamentais garantidos pela Constituição e a necessidade de uma luta impiedosa contra os criminosos. Com uma dificuldade adicional devido ao fato de que o direito penal brasileiro é, quotidianamente, lento, processual e complexo. Onde, às vezes, de parte da população, vem um profundo sentimento de injustiça devido à impunidade que beneficia os criminosos.
É por isso que precisamos adotar segurança o mais rápido possível adotar, em matéria de segurança pública, princípios que produzam rapidamente resultados tangíveis: investimento sério em matéria de prevenção, treinamento reforçado para todos os atores da segurança pública, simplificação dos procedimentos legais definindo claramente os papéis e poderes da polícia e do Poder Judiciário, limitação sérias em recursos em matérias processuais penais e finalmente aplicação efetiva das penas pronunciadas.
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