POR CHARLES HAMILTON SANTOS LIMA
Em meio aos debates em torno do Projeto de Lei Complementar 518/09 (projeto de iniciativa popular que reuniu quase dois milhões de assinaturas) chamou a atenção o posicionamento do Deputado Federal José Genoíno (PT/SP). Em matéria publicada no site Congresso em Foco, o citado parlamentar manifestou-se radicalmente contrário ao Projeto de Lei. Seus argumentos: fere o princípio constitucional da presunção de inocência e seria uma forma de tutela sobre o eleitorado. Nada mais equivocado.
A presunção de inocência é de fato um princípio consagrado constitucionalmente no artigo 5º, LVII. De igual modo, o princípio da probidade administrativa também é assegurado constitucionalmente (artigo 14, parágrafo 9º) quando determina que Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, sendo considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Temos portanto um conflito entre dois princípios igualmente de natureza constitucional.
Havendo colisão de princípios, sustenta Robert Alexy, a solução, diferentemente do caso das regras, não se dá no plano da validade — onde uma vale e a outra não. Segundo o citado jurista, quando há uma situação na qual incida dois princípios deve se partir para a ponderação entre os mesmos. Tal critério hermenêutico se dá através dos passos da adequação, da necessidade e da razoabilidade. Ao fim e ao cabo, tem-se um resultado que harmoniza os princípios tidos em conflito. Contudo, não será possível deixar aplicar os princípios em questão.
No caso do Projeto “Ficha Limpa”, a ponderação ou harmonização será plenamente realizada nos termos postos no substitutivo apresentado pelo Deputado Índio da Costa (DEM/RJ), pelo qual a inelegibilidade se dará após a condenação em segunda instância, no geral, ou em primeira instância, nos casos de prerrogativa de foro. Em ambas hipóteses, a decisão da qual emana o impedimento à candidatura decorre de um órgão judicial colegiado.
A dita tutela sobre o eleitorado também se revela um argumento sem maior densidade. A participação política ativa se dá nos termos definidos no artigo 14, parágrafo 3º, da Constituição da República. Entre os requisitos ali elencados, destaco a exigência de filiação partidária. Ora, por que não se admitir a candidatura avulsa? Por que o cidadão no pleno gozo de seus direitos políticos, domiciliado na comunidade que pretende representar e com a idade necessária precisa da tutela de uma agremiação partidária para poder participar ativamente da vida política nacional? É evidente que se trata de uma tutela sobre o cidadão e sobre a qual o parlamentar se cala.
O estabelecimento de regras para a participação política é necessário para conferir a legitimidade aos detentores de mandato para que estes possam tomar decisões que obrigam e vinculam toda a coletividade. Aliás, a relação entre o Direito e a Política impõe que assim o seja para que possamos ter a perfeita distinção entre uma comunidade juridicamente organizada e um bando de malfeitores onde prepondera o comando da ameaça do bandido: “a bolsa ou a vida”. Neste ponto é oportuna a lição de Norberto Bobbio segundo a qual “um poder é considerado legítimo quanto quem o detém o exerce a justo título, e o exerce a justo título enquanto for autorizado por uma norma ou por um conjunto de normas gerais que estabelecem que, em uma determinada comunidade, tem o direito de comandar e de ter seus comandos obedecidos”.
Como se vê, não se trata de tutela sobre o eleitorado mas de conferir maior legitimidade aos nossos representantes. Legitimidade que, convenhamos, anda um tanto baixa na atual composição do nosso Congresso Nacional.
Por fim, vale lembrar a definição de candidato constante do Oxford Classical Dictionary: do latim: “aquele que se veste de branco”; uma referência a Roma antiga, quando o candidato a um cargo no Forum Romanum, tinha que usar uma toga branca, devido a crença de que o branco era a cor da pureza e da probidade.
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