Vasconcelo Quadros
O terror dos corruptos está de volta. E evoluído. O “grampo” – interceptação telefônica ou monitoramento eletrônico, como prefere a polícia – ganhou uma nova versão, moderna, sob controle, mas mais eficaz que os tradicionais. Peritos da Polícia Federal construíram o novo Sistema de Interceptação de Sinais (SIS), que dispensa os serviços das operadoras de telefonia ou de qualquer empresa que atue em outros ramos de comunicação, como internet, rádio ou mecanismos que usem sinais via satélite.
Espécie de big brother da Polícia Federal, o novo sistema é um conjunto de softwares, acoplado a equipamentos que funcionarão numa central operada pela polícia, sob o controle online do juiz que autoriza o grampo, Ministério Público e, especialmente, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – o maior parceiro da Polícia Federal na empreitada.
– É auditável em tempo real – diz o diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa. Ele deu a notícia durante o Seminário Internacional sobre técnicas de investigação, encerrado na sexta-feira, onde autoridades brasileiras e de mais sete países (Inglaterra, França, Portugal, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Colômbia) discutiram as mais variadas faces do grampo telefônico durante três dias. Nunca antes a ferramenta de investigação que mais assombra políticos foi tão discutida.
Satiagraha
O subproduto do debate foi a desmistificação do grampo, técnica que passou por um longo período de baixa depois que seu uso foi associado a espionagem política durante a Operação Satiagraha e depois das denúncias, nunca confirmadas, de que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes teria sido grampeado por agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ou pela própria PF, em 2008.
A ferramenta amargou descrédito, mas nunca deixou de ser usada. Em vez de abandoná-la, a Polícia Federal a aperfeiçoou e, dentro de seis meses, deve colocar o novo sistema em funcionamento definitivo em todo o país. O SIS já foi testado e aprovado pelo Ministério Público e Judiciário. Depois, será colocado à disposição das policiais estaduais.
Pelo novo sistema, a polícia precisa apenas instalar um software em cada uma das operadoras de telefonia. Não precisa mais apresentar à empresa a autorização judicial e nem requisitar o auxílio de um técnico em telefonia para operar o monitoramento. A operadora não tomará conhecimento do número da linha telefônica interceptada e nem saberá o nome de quem está sendo grampeado. Tudo será feito de uma central, sob o controle de toda a máquina do Judiciário: o analista, o delegado, o procurador, o juiz e, por último, o CNJ.
– Estamos eliminando riscos e saindo da defensiva – comemora Corrêa.
Arapongas
Embora as informações que resultem do monitoramento fiquem sob o controle da polícia, o atual sistema permite que um técnico da operadora, se tiver mal intencionado, vaze o nome da pessoa que está grampeada. O novo sistema elimina também a rede de arapongas que se esconde nos escritórios de detetives particulares e utiliza funcionários das empresas para grampear telefones. As empresas, a partir do SIS, não podem mais instalar grampo, atividade que passa a ser exclusivamente da polícia.
Uma nova legislação, que está sendo discutida com os parlamentares que participaram da CPI do Grampo, encerrada no ano passado, vai criminalizar a posse de equipamentos de interceptação. É a única forma de acabar com a revoada de arapongas que se utilizam da fragilidade da rede para vender serviços de espionagem.
PF mantém 391 suspeitos sob monitoramento
A implantação do Sistema de Interceptação de Sinais (SIS) marca também a desmistificação do uso do grampo telefônico como instrumento de investigação. Durante mais de dois anos, esse tipo de ferramenta semeou uma paranoia tão grande, que a impressão generalizada, especialmente na classe política, era de que todo mundo estava grampeado. No ano passado, a CPI do Grampo contribuiu para agravar esse clima ao divulgar que mais de 400 mil linhas telefônicas estavam sob monitoramento da polícia no Brasil.
Levantamento da Polícia Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram, no entanto, que, como não havia controle sobre o setor, os exageros são brutais. Até abril do ano deste ano, a PF mantinha grampeados 391 linhas telefônicas, o que representa algo em torno de 0,3% dos 138.856 investigações em andamento no órgão. A grande maioria das interceptações está relacionada às investigações sobre corrupção envolvendo políticos ou servidores públicos. As duas outras modalidades de crime que requerem o monitoramento são o tráfico de drogas e os assaltos a banco.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também foi checar os números da CPI. Fez um pente fino nos tribunais e varas criminais e chegou a conclusão de que atualmente o número de grampos gira em torno de 10.500 em todo o Brasil, operados tanto a pedido da PF quanto das polícias estaduais. A juíza Salise Monteiro Sanchotene, da Corregedoria do CNJ, diz que comparado com a densidade populacional do Brasil, a quantidade de grampos é modesta.
– Se levar em conta que temos 180 milhões de habitantes, esse número é nada. Não é o cidadão honesto e trabalhador. É o crime organizado que está sendo monitorado. A ferramenta (o grampo) está sendo usado com moderação – diz a juíza. O delegado Luiz Fernando Corrêa garante que o grampo é o último recurso numa investigação, mas reconhece que sem ele seria praticamente impossível atacar a corrupção e o crime organizado.
Com o SIS, a Polícia Federal também passa a dar outro tratamento aos desvios de verbas públicas ou os ataques contra o patrimônio privado. As quadrilhas representam empreendimentos criminosos, onde tudo é organizado para buscar o lucro. A nova estratégia é centrada na inevitável necessidade que as quadrilhas têm – como nos negócios regulares – de se comunicar entre si para operar e, num determinado momento, com quem comanda.
– O presidente de uma empresa nunca está no chão da fábrica, mas precisa de um link para saber o que está acontecendo – diz o diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa. O delegado Roberto Troncon, responsável pela área de repressão ao crime organizado da PF explica que pelo novo sistema de grampo – um conjunto de softwares sofiscados, criado pela própria instituição – nenhuma alternativa de transmissão de mensagens hoje existente no mundo escapa do SIS.
– Qualquer meio de comunicação é interceptável. Se inventarem um novo, a gente tem condições de monitorar em seguida – garante o delegado. A polícia admite que o grampo é uma técnica invasiva, o que frequentemente provoca reações por causa do direito à privacidade individual garantido pela Constituição. O diretor da PF diz, no entanto, que a ofensiva se destina exclusivamente a quem está à margem da lei.
– Precisamos invadir a privacidade do crime. Ela não interessa à sociedade – afirma Corrêa. Segundo ele, o funcionamento do novo sistema será compartilhado online com todos os órgãos do judiciário. Esse controle, diz o diretor, elimina a possibilidade de abusos ou violações de qualquer ordem. Também torna desnecessário que, numa investigação, a polícia requeira a cada 15 dias autorização do judiciário para continuar grampeando. Como o juiz e o procurador estão acompanhando, o grampo pode durar o tempo da investigação.
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