Jociano Pires e Josie Jeronimo
O pacotaço aprovado pelo Congresso que elevou ao teto os salários de parlamentares, do presidente da República, do vice e de ministros de Estado deflagrou entre os servidores públicos uma gincana remuneratória. Carreiras que estão no topo e na base do funcionalismo reivindicam aumentos que, se autorizados, terão impacto bilionário nas contas públicas. O cenário desafia a presidente eleita, Dilma Rousseff, e sua equipe econômica a cumprirem a difícil promessa de cortar gastos e de promover um forte ajuste fiscal a partir de janeiro de 2011.
A elite do setor público saiu na frente disposta a puxar o novelo. Advogados da União, defensores públicos, auditores da Receita Federal, gestores governamentais e delegados da Polícia Federal, entre outros, articulam-se para emplacar novos planos de reestruturação salarial. Por meio de propostas de emendas à Constituição ou projetos de lei, esses setores almejam subir mais alguns degraus, o que faria os contracheques encostarem no valor máximo pago por mês na administração federal (R$ 26.723,13).
Na dianteira estão os advogados públicos que, em fim de carreira, pretendem saltar de R$ 19.451 para R$ 24.117. A correção consta de uma PEC sob análise na Câmara. Auditores da Receita Federal e o grupo de gestão querem pegar carona e igualarem-se aos colegas de Esplanada. “O teto virou piso para o funcionalismo”, avalia um técnico do governo que acompanha de perto o lobby das categorias.
Os deputados que assumirão em fevereiro encontrarão 17 propostas de plano de carreira e reajustes de vencimentos em tramitação. Outra missão para o próximo ano é o projeto que propõe reajuste de 56% para os servidores do Judiciário. Juntas, as peças geram despesa de R$ 88,1 bilhões aos cofres públicos. Entre elas está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da área da segurança pública.
Durante a maior parte do ano, governistas driblaram os policiais que tomavam a Câmara para pressionar pela aprovação do projeto. O argumento dos deputados para barrar a proposta era instrução do governo de evitar projetos que gerassem despesas para o primeiro ano de mandato da presidente eleita, Dilma Rousseff. Policiais de todo o país se organizam para marcar a cerimônia de posse de Dilma com protestos pela aprovação da PEC. O relator da proposta informa que a categoria pretende cruzar os braços em janeiro, para pressionar o governo. “Os policiais querem um movimento de greve no início de janeiro. O pensamento hoje é parar”, afirma o deputado.
Com a equiparação dos vencimentos dos parlamentares aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a palavra de ordem da maioria das categorias da Esplanada é isonomia. Os servidores querem salários iguais aos dos colegas de outros poderes que ganham o teto. O incremento na renda dos políticos foi interpretado pelas categorias como um sinal de que há dinheiro para correções. Os sindicatos já se organizam para pressionar o próximo governo a se sentar e negociar antigas e futuras demandas. A futura ministra do Planejamento, Miriam Belchior, já foi alertada de que enfrentará dificuldades para lidarcom o volume e a intensidade das reivindicações dos servidores.
O aumento dos salários dos parlamentares derrubou o argumento da responsabilidade financeira utilizada pelo governo para barrar reajustes. O coordenador-geral do Sindicato dos Servidores da Justiça (Sindjus) do DF, Roberto Policarpo, conta com a “cúpula do Judiciário” para pressionar o reajuste de 56% da categoria, que pode, inclusive, subir para 80%, para equiparar os vencimentos aos do Executivo. “O argumento do ministro Paulo Bernardo caiu por terra. Ele disse que 56% era delirante. E 62%? Se os parlamentares buscaram a toque de caixa a isonomia, por que o servidores do Judiciário não podem?”.
Diferenças
Nas faixas intermediárias e inferiores do funcionalismo, as reações também prometem ser grandes. A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) se organiza para, a partir da virada do ano, mobilizar as bases e, assim como os “primos ricos”, pleitear reajustes. “Achamos que a parcela do funcionalismo que ganha menos tem de ter tratamento diferenciado”, justifica Josemilton Costa, secretário-geral da entidade.
Entre os representantes dos segmentos intermediários estão administrativos da Advocacia-Geral da União, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Arquivo Nacional. Desde o início do ano, a Condsef busca com o governo a correção de tabelas salariais que foram implantadas em 2008 e 2009 e que acabaram por criar distorções entre carreiras similares. Por causa das eleições, a União empurrou para o segundo semestre as discussões e agora dá sinais de que deixará o espólio para Dilma Rousseff. “Tem dinheiro. Disso não temos dúvidas”, completa Costa.
Impacto de R$ 80 bi
Para pagar as diferenças estaduais e constituir um piso salarial de R$ 3,5 mil para policiais militares e bombeiros e criar a categoria de polícia prisional, estima-se que o governo deveria constituir um fundo de aproximadamente R$ 80 bilhões. Ele serviria para cobrir o impacto nos estados, pois pensionistas e inativos seriam beneficiados, segundo o relator da PEC 300, deputado Major Fábio (DEM-PB). O parlamentar, defensor da causa militar, considera o valor superestimado.
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