Na maioria das vezes, as operações em prol do desarmamento no país resultam em imagens fortes, seja na destruição de revólveres e pistolas clandestinas ou na apreensão de armamento pesado, como as realizadas recentemente no Rio, durante a ocupação pela polícia do Complexo do Alemão. Mas apesar do impacto visual, na prática, o governo vem perdendo — feio — essa guerra para desarmar a população.
Os estudos Mapa do Tráfico Ilícito de Armas no Brasil e Ranking dos Estados no Controle de Armas, feitos em parceria com a ONG Viva Rio e apresentados ontem pelo ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, mostram que ainda há quase 16 milhões de armas espalhadas pelo país (15.996.301 exatamente), sendo que 47,6% delas são ilegais. O número coloca o país como um dos seis mais armados do mundo — atrás de Estados Unidos, Índia, China, Alemanha e França.
Efeito bumerangue
Essa é a primeira radiografia feita pelo governo e por movimentos sociais que mostra o destino final dos armamentos comercializados ou que circulam pelas ruas brasileiras. Alguns surpreendentes: mais de 1,2 milhão de revólveres e pistolas são de uso privativo de militares e policiais que não estão mais na ativa, por exemplo. E, do armamento ilegal, a maioria é de fabricação nacional, o que reduz bastante a força da tese de que as armas são contrabandeadas pela fronteira.
A maior parte das armas ilegais no Brasil são de fabricação nacional e há um motivo para isso. Elas sofrem o que especialistas classificam como “efeito bumerangue”. Ao chegar a países fronteiriços, muitas são reintroduzidas no mercado clandestino brasileiro. “Em Mato Grosso do Sul, 28,11% das armas apreendidas são brasileiras”, diz o coordenador do projeto, Antônio Rangel Bandeira, integrante das ONGs Viva Rio e Viva Comunidade.
O documento aponta ainda uma situação antagônica na capital federal em relação a desarmar a população: o Distrito Federal está entre as unidades da Federação que mais recolheu armas durante as campanhas do desarmamento, mas também ficou entre as que mais legalizou armamentos nos últimos dois anos (leia reportagem na página 9).
Rota do comércio
Em todo o Brasil, a maior parte das armas recolhidas são de pistolas e revólveres, que representam 80% das apreensões. “De cada 10 armas, oito são brasileiras e curtas”, acrescenta Rangel. As estrangeiras chegam principalmente dos Estados Unidos, que hoje têm uma participação de 59,2% do mercado brasileiro, seguidos da Argentina, que detém 16,7% e da Espanha, com 6,9%. A pesquisa, que foi iniciada por Pablo Dreyfus — morto no ano passado — levantou informações de 340 mil armas para mostrar os principais canais de desvios para a criminalidade, além de traçar a rota do comércio legal. Além disso, catalogou os estoques registrados nos órgãos de controle, principalmente das secretarias de Segurança Pública e do Sistema Nacional de Armas (Sinarm).
O resultado mostrou ainda que há cerca de 8,3 milhões de armas legalizadas no país, sendo que 4,5 milhões estão nas mãos de cidadãos. Outros 3,8 milhões pertencem a companhias privadas, empresas de segurança, lojas de armas e oficiais e suboficiais das Forças Armas — a chamada segunda arma, que é de uso pessoal do militar. Nessa situação estão 289,8 mil artefatos com pessoal da ativa e 105,4 mil em poder de oficiais que estão aposentados. O mesmo acontece com as polícias estaduais. O relatório identificou que 212,2 mil bombeiros e policiais militares da reserva nessa situação. “Grande parte das armas de militares são armas privadas”, afirma Rangel. “Eles podem ter até três armas — duas privadas — e compram a preço de fábrica”, explica o coordenador do Viva Rio.
O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, não questiona a compra privada de armas pelos policiais militares, mas observa que até mesmo eles, quando surpreendidos por criminosos, têm dificuldades em usar as armas. “São inúmeros os casos em que as pessoas morreram dessa forma”, diz Barreto, referindo-se à reação das pessoas quando abordados por bandidos armados. “Quem está com uma arma ou mata ou morre”, ressaltou o ministro.
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