Fonte: Correio Braziliense
A disparada da inflação já está mobilizando os servidores federais a tentarem reabrir as negociações salariais com o governo. Eles reclamam da aceleração dos indicadores gerais de preços desde dezembro, o que contraria as estimativas oficiais e amplia as perdas. As categorias representadas pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) — consideradas a elite do funcionalismo e as últimas a aderirem ao acordo de reposição parcial — alertam que a trégua com a presidente Dilma Rousseff, firmada em 2012, está próxima de acabar. Em paralelo, muitos poderão individualmente ir à Justiça para recuperar o poder de compra.
“A insatisfação é geral no serviço público, e os trabalhadores começaram a se reunir em todo o país para reexaminar as condições negociadas”, disse Sérgio da Luz Belsito, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal). Ele lembra que o aumento linear de 15,8% em três parcelas anuais (2013 a 2015) de 5% já ficou abaixo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2012, que fechou em 5,84%, e que essa diferença deve ser ainda maior este ano. “A inflação está rodando em 6% e o ano começou caro no vestuário, nos alimentos e nos transportes. O novo cenário requer revisão do tratado”, ilustrou.
O grupo de servidores que iniciou a pressão representa só 7% do funcionalismo, mas reúne núcleos estratégicos para a União, como o Banco Central (BC), a Receita Federal, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), as agências reguladoras e a Polícia Federal. Para Belsito, com esses trabalhadores proibidos de ir à Justiça para conseguir a recomposição de salários, a única chance de acabar com “os improvisos e as repetidas negociações tensas todo ano” é regulamentar a Convenção nº 151, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da negociação coletiva no serviço público, “rejeitada desde o governo Lula”.
Apesar disso, a Justiça já vem garantindo o direito à reposição salarial dos funcionários públicos na forma de precatórios — dívidas decorrentes de ações perdidas por União, estados, o Distrito Federal e municípios, incluídas no Orçamento público. Todos os que tiveram reajuste salarial inferior à inflação oficial do ano anterior podem recorrer aos tribunais para receber a diferença no futuro, com correção. “É causa ganha. O trabalhador faz concurso, entra no serviço público e, no ano seguinte, abre processo para se proteger”, informou o advogado Nelson Lacerda, do escritório Lacerda e Lacerda Advogados Associados.
Brecha
Desde 2009, a União pagou tudo que devia. Mas pode, segundo os especialistas, estar construindo uma bomba de efeito retardado. Ao oferecer reajustes parcelados de 5% até 2015, dentro do curto espaço orçamentário, o Planalto abriu uma brecha para uma vingança legal. Os precatórios podem ser de natureza alimentar, motivados por ações referentes a salários, pensões, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez, ou não alimentar, por outras razões, como desapropriações e tributos.
Segundo Lacerda, o precatório alimentar é exclusivo do funcionalismo, e a maior parte (80%) das ações é por reposição salarial. Os 20% restantes tratam de equiparação salarial e de descumprimento de plano de carreira, entre outras demandas. O advogado — que representa a Associação Nacional dos Servidores Públicos (ANSP), a Associação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Asbapi) e o Sindicato dos Técnicos Científicos do Rio Grande do Sul (Sintergs) — conta que, nos estados e nos municípios brasileiros, a situação é dramática.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) calcula que a conta dos precatórios estaduais passava de R$ 94,3 bilhões até a metade de 2012. Do total, R$ 87,5 bilhões estavam na Justiça estadual e outros R$ 6,7 bilhões na Justiça trabalhista. Os valores podem ser maiores na hora do pagamento, porque os números se referem à dívida histórica, não atualizada. Os processos de precatórios levam anos para ser concluídos e, após a sentença judicial, nem todos são pagos no prazo. As requisições recebidas até 1º de julho de um ano são convertidas em precatórios e incluídas na proposta orçamentária do ano seguinte. Na prática, 40% das pessoas morrem sem receber.
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