Fonte: O Globo
Envolta em previsível polêmica, a operação da prefeitura do Rio para reprimir o consumo de crack encerra uma questão de princípio e um problema de fundo. No primeiro caso, está a oportunidade da internação involuntária dentro de um programa mais amplo contra o grave problema da dependência à droga. No segundo, a imperiosa necessidade de ações de rua e de abordagem direta de usuários crônicos serem sustentadas por uma infraestrutura que justifique o recolhimento de viciados – supostamente, para tratamento.
A internação involuntária é uma intervenção pontual, de ordem médica, para conter a degradação física e psicológica de usuários que estão num caminho sem volta – ou nele entrando – do vício. É uma ação recomendável, mas dentro de um protocolo que pressupõe iniciativas anteriores do poder público de abordagem/dissuasão mais amigável. Partir para a alternativa mais radical, ainda que esta venha a se mostrar inescapável, será uma inversão na ordem de prioridades mais indicadas para enfrentar o problema. A dúvida é se a operação da prefeitura sobreveio àquelas etapas ou se a elas se antepôs.
De qualquer forma, o crucial, agora, deslanchadas as blitzes (que, se supõe, continuarão nos próximos dias), é conferir se o poder público se preparou de fato para dar o prosseguimento que as operações exigem. Ou seja, recolhidos e internados os consumidores crônicos, a eles serão dispensados os cuidados que a degradação física e psicológica exige? A providência mais imediata – a reserva de vagas na rede pública de saúde – não parece bem equacionada. No primeiro dia de operação, os hospitais dispunham de apenas 40 leitos para internação. É pouco para atender a um universo de consumidores que, as próprias estatísticas dos órgãos oficiais mostram, cresce numa curva preocupante.
O problema não se resume à quantidade de vagas disponíveis para encaminhar os viciados a tratamento. Mas – e este é um problema sistêmico, nacional – diz respeito à vontade de combater esse terrível flagelo com políticas permanentes, integradas e multidisciplinares, que envolvem questões de saúde pública, educação, atendimento médico e psicológico e de segurança.
O país dispõe de uma estrutura que existe apenas formalmente. Mas, por deformações alimentadas pela leniência ou por interesses estranhos às necessidades do setor, ela não funciona. O SUS, por exemplo, deveria ser uma instância natural de atendimento a pacientes viciados em crack, mas seu orçamento acaba sendo sangrado para atender a outras rubricas.
A expansão do crack e seus reflexos no âmbito da saúde pública e da segurança não podem continuar dependendo de intervenções espasmódicas. Espera-se que não seja, de novo, o caso do Rio. De qualquer forma, é problema que reclama urgente elaboração de uma política nacional, estrutural (de Estado) e não apenas conjuntural.
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